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O Sul global na política e academia

Autor: Marina Bolfarine Caixeta Data de inserção: 17/10/2014

No plano político internacional, chama-se a atenção para a publicação do último Relatório de Desenvolvimento Humano de 2013 (RDH-2013) intitulada “A Ascensão do Sul: Progresso Humano num Mundo Diversificado”. Nesse, reconhece-se que a emergência de novas vozes requer não apenas estruturas e instituições mais representativas e democráticas, como ainda a aplicação de políticas pragmáticas que respondam às circunstâncias e oportunidades locais, incluindo o aprofundamento do papel dos Estados no desenvolvimento, significando investimento no desenvolvimento humano e, simultaneamente, abertura ao comércio e à inovação.

Nota-se que o Sul está em alta em estudos, pesquisas e concertações globais; mas o que seria esse Sul? O termo “Sul” (geralmente utilizado com letra maiúscula por se tratar de uma adjetivação do substantivo de significado geográfico) é sinônimo de países emergentes. Ele remete à nova divisão internacional surgida no pós-Guerra Fria, em que o mundo não mais seria dividido entre Leste (países comunistas) e Oeste (países capitalistas), mas entre Norte (países desenvolvidos, industrializados no século XIX) e Sul (países em desenvolvimento, ex-colônias e de industrialização tardia). A divisão geográfica estabelecida pela linha do Equador remete antes à outra divisão, a separação ideológica existente no cenário do desenvolvimento. Ela reivindica maior equidade de poder e mais representatividade na produção de conhecimento.

No entanto, deve-se lembrar que o Sul apresenta inconsistência terminológica ao definir como Sul todos os países em desenvolvimento. O México, situado no hemisfério Norte é um país latino-americano e, portanto, pertencente ao Sul; a Rússia, outro país emergente, está situado ao Norte da linha do Equador; e Austrália e a Nova Zelândia, são países situados no hemisfério Sul mas possuem status de países do Norte. Esses exemplos mostram a dificuldade de entender Norte e Sul pelo sentido denotativo, o que, nesse debate, devem assumir seu significado conotativo, já que são sinônimos de países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, respectivamente (CAIXETA, 2014).

Além disso, não se pode ignorar a questão da heterogeneidade existentes entre os países que compõem este Sul e que dificultam várias negociações no plano político internacional. Brasil, Rússia, China, África do Sul e Índia, membros dos BRICS e com status de países emergentes, ocupam posições de superioridade em relação a países como Guiné Bissau e Haiti, também pertencentes ao Sul e ao grupo de países em desenvolvimento.

No tocante às discussões científicas, Marcelo Rosa (2014) dialoga com teóricos das ciências sociais à respeito das novas teorias científicas acerca do Sul global, o que ele intitulou “Sociologias do Sul: ensaio bibliográfico sobre limites e perspectivas de um campo emergente” em que explica:

"A este conjunto de debates, cujas principais linhas já estão razoavelmente traçadas – a ponto de serem reconhecidos nas disputas internas das ciências sociais –, se soma agora uma nova alternativa, organizada em torno do rótulo teorias do Sul. Mesmo considerando esse novo movimento teórico parte constituinte do grande conjunto acima mencionado [movimentos teóricos rotulados como pós-coloniais, modernidades múltiplas e distintas fases da modernidade], precisamos reconhecer que há aqui a introdução de uma nova ferramenta (poderíamos pensar também em lente) que ainda não havia sido trazida para o centro da disputa geopolítica de nossas disciplinas: o Sul." (ROSA, 2014, p. 44)

Nesse cenário, chama-se atenção especial para dois renomados cientistas europeus consagrados nesse debate: Boaventura de Sousa Santos (2011) com o livro em co-autoria com Maria Paula Menezes intitulado “Epistemologias do Sul” e Edgar Morin (2012) em torno de quem foi realizado um encontro internacional para um “Para um pensamento do Sul”. Além disso, os antropólogos sul-africanos Jean e John Comaroff (2011) e a socióloga australiana Raewyn Connell (2007) que se dedicaram ao tema.

Há uma profusão de pesquisas científicas sobre esse tema, o que coincide com as discussões no plano internacional e acompanha essa nova tendência da política internacional. O debate no âmbito da comunidade científica reconhece a necessidade de dar espaço para conhecimentos provenientes de países e povos do Sul; até o presente, eles estiveram à margem do centro de poder. Além disso, reconhece-se que além da dominação europeia da época da colonização, dos séculos XV ao XX, as reverberações da dependência política e econômica se fazem sentir no domínio do saber, daí a defesa em prol da descolonização do saber, defendido por escritores desse Sul global – alguns exemplos são Edgardo Lander (2005), na América Latina e Paulin Houtondji (2006) e Robert Bates, Valentin Mudimbe e Jean O’Barr (1993) na África.

As novas perspectivas e visões de mundo, provenientes do Sul, refletem também as expectativas atuais em torno dessa nova tendência da cooperação internacional, intitulada cooperação Sul-Sul. Para tanta, esse fenômeno político internacional deve estar acompanhado e baseado em novas teorias científicas a respeito das motivações dos atores globais em cooperar solidariamente e que não estejam mais orientadas por disputas de poder entre as nações, conforme as teorias que anteriormente serviam de base e que costumavam inspirar as análises. Além disso, a presença do Sul global nos foros e regimes políticos internacionais abrem a oportunidade para propostas inovadoras com vistas à efetiva evolução da civilização global, atenta à promoção e concretização do desenvolvimento humano, conforme discutido por Marina Caixeta (2014).

 

Outras Referências

BATES, R.; MUDIMBE, V.Y. & O’BARR, J. (orgs.) Africa and the Disciplines: the contributions of research in Africa to the social sciences and humanities. Chicago: University of Chicago Press, 1993.

CAIXETA, M.B. A Cooperação Sul-Sul como nova tendência da cooperação internacional: o discurso e a prática da cooperação técnica do Brasil com São Tomé e Príncipe para o combate à tuberculose. 2014. 193 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sociedade e Cooperação Internacional) - Estudos Avançados Multidisciplinares CEAM, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

COMAROFF, Jean & COMAROFF, John. Theory from the South: or how Euro-America is evolving toward Africa. London: Paradigm Publishers, 2011.

CONNELL, R. Southern theory: the global dynamics of knowledge in social science. Cambridge: Polity, 2007.

HOUNTONDJI, P. Global Knowledge: Imbalances and Current Tasks. IN: NEAVE, Guy (org.) Knowledge, Power and Dissent: critical prospectives on higher education and research in knowledge society. Paris: UNESCO Publishing. 2006. p. 41-60.

LANDER, E. (org.) A Colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas. Colección Sur-Sur. Buenos Aires: Clacso, set. 2005. Disponível em: http://bibiliotecavirtual.clacso.org.ar Acesso em Dez 2013.

MORIN, E. Para um pensamento do sul. In: Para um pensamento do sul: diálogos com Edgar Morin. Rio de Janeiro: SESC, Dep. Nacional, 2011. 

ONU (Organização das Nações Unidas). Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 A ascensão do sul: progresso humano num mundo diversificado.

ROSA, M. Sociologias do Sul: ensaio bibliográfico sobre limites e perspectivas de um campo emergente. Civitas: Revista das Ciências Sociais, vol. 14, n. 1. p. 43-65. Porto Alegre: EDIPUCRS, jan/abril, 2014.

SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a um ecologia dos saberes. In: Boaventura de Sousa Santos; Maria Paula Meneses (Orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina-CES, 2009. p. 23-73.