EM DEFESA DO MERCOSUL EDUCACIONAL

Autores: Joana de Barros Amaral, Leonardo Serikawa Data de inserção: 27/02/2020
Na nota produzida para o OBS, os autores dialogam com a decisão do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, de sair do o Setor Educacional MERCOSUL (SEM), esclarecendo o papel do mesmo e trazendo exemplos de sua importância. No dia 29 de novembro de 2019, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou o rompimento do MEC com o Setor Educacional MERCOSUL (SEM) em razão de sua suposta “falta de eficiência e resultados práticos que impactassem positivamente na melhoria de índices gerais da Educação”. Assim como o atual Ministro, poucas pessoas compreendem a importância desse espaço criado em 1991 no âmago de um organismo voltado, prioritariamente, para o estabelecimento de mercado comum entre países do sul da América do Sul. Esta singela nota não pretende argumentar contra a opinião da atual gestão do MEC, mas apenas esclarecer o real papel do SEM enquanto espaço de interação entre os países do Bloco Regional. Em sua essência, o Setor não têm a pretensão de impactar diretamente sobre os indicadores de qualidade dos países. Não é essa sua finalidade. Sua função é ser um foro de diálogo e coordenação entre países com realidades e desafios educacionais historicamente semelhantes que permita a interação e a troca de experiências com a construção de propostas conjuntas que alimentem, inclusive, o processo de integração econômica. Esse é o caso de seus programas de mobilidade acadêmica, de reconhecimento de estudos e revalidação de títulos de educação superior para circulação de mão de obra qualificada, questão muito colocada por Castells (1996) e que é componente fundamental para o aprofundamento desse processo de formação de um mercado comum no Cone Sul, que inclui também o desenvolvimento da identidade e cidadania regionais. No âmbito da diplomacia no MERCOSUL, há uma clareza de que o Brasil tem um papel protagonista na construção e manutenção desses laços, e no campo da educação não é diferente. O Brasil é fonte de inspiração para inúmeros sistemas que se beneficiam de seus avanços. No movimento pelo desenvolvimento de sistemas nacionais de avaliação da educação superior ocorrido entre a década de 1990 e 2000 em países como Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai, por exemplo, a experiência e a contribuição brasileira foram determinantes. Contudo, não se pode crer que o Brasil também não se beneficiou disso. Basta levantar junto ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais Anísio Teixeira (INEP), as diferentes melhorias no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) que se deveram pela interlocução com especialistas no âmbito das atividades do SEM. Igualmente na já mencionada migração de mão de obra qualificada, o Brasil se beneficia da vinda dos chamados “trabalhadores do conhecimento”. Segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais, entre 2006 e 2016, o número de trabalhadores qualificados que migraram para o Brasil aumentou 51% (12.568 para 19.048 registros), o que beneficiou o mercado interno, carente de muitos profissionais. Contudo, essa inserção não seria viável e o Brasil dificilmente seria destino de muitos “cérebros”, caso não houvessem tratados e acordos entre os países sobre reconhecimento de estudos e revalidação de títulos, bem como de um sistema de confiança — em amadurecimento — acerca da qualidade da educação superior como o ARCU-SUL , que nasceram do esforço dos países realizado por meio do MERCOSUL. Como lembrado pelo Ministro, são 28 anos de serviços prestados, com uma centena de reuniões que merecem uma análise mais profunda que reflita mais acuradamente sobre os efeitos do Setor Educacional do MERCOSUL. Obviamente, não se pode negar a necessidade de reformulações. Há que se ter novo foco nas prioridades, entendendo que houve mudanças de diretrizes na região. Não seria a primeira vez que esta revisão aconteceria. Nesses quase 30 anos, o SEM passou por algumas revisões e transformações que permitiram sua continuidade. Normal em um longo processo de integração que se pretende constante e permanente. O que não é normal é que o Brasil dê as costas para a América do Sul e não ocupe seu lugar de liderança no continente, fundamental para o desenvolvimento do entorno que muito o beneficia comercial e economicamente, e onde a educação deve ser um dos pilares para catalisar o desenvolvimento de suas condicionalidades. Em outras palavras. É compreensível que que mudanças de governo impliquem em alterações de rumos nos da Política Externa e dos processos de integração regionais. Mas é certo também que, nas democracias mais maduras, políticas de Estado, que trazem resultados positivos e duradouros, devem ser vistas de uma perspectiva mais incremental e menos radical. É dessa maneira que ocorre e deve ocorrer a integração. Na União Europeia, por exemplo, o conhecido Processo de Bolonha, nascido em 1999, trabalha a muito tempo para a convergência entre os sistemas de educação europeu, buscando “elevar a competitividade internacional do sistema europeu do ensino superior” (Declaração de Bolonha, 1999). De maneira mais específica: assim como a União Europeia é a referência para os europeus, o MERCOSUL também deveria ser para os países sul-americanos. Contudo, essa é uma lição que, ao que parece, ainda não aprendemos.   CASTELLS, M. The Rise of Network Society, Vol. I. In: The Information Age: Economy, Society, and Culture. Oxford: Blackwell Publishers, 1996.