Campanha "Não ao ProSavana": mobilização da sociedade civil no campo da cooperação internacional

Data de inserção: 11/04/2016

 

O ProSavana, projeto de cooperação trilateral de iniciativa dos governos do Brasil, Moçambique e Japão, visa transformar uma região de savana tropical em um setor agrícola industrial e competitivo focado no agronegócio e na produção de alimentos, por meio da atração do investimento privado para o Corredor de Nacala, norte de Moçambique, em cooperação com o setor público. Vale dizer que o Prosavana foi inspirado num programa de desenvolvimento agrícola implementado no cerrado brasileiro por meio da cooperação entre governos do Japão e Brasil entre 1970 e 1980, o PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados).

De modo geral a sociedade civil organizada e os movimentos sociais do campo têm sido críticos em relação ao ProSavana pois acreditam que o programa pode ter impactos negativos para o meio ambiente e para a agricultura camponesa. Nesse sentido, a sociedade civil vem atuando em uma rede de solidariedade transnacional e estabelecendo cooperação entre os movimentos sociais do Brasil, Japão e de Moçambique.

A campanha foi iniciada em maio de 2013 com a redação de uma carta aberta feita por organizações moçambicanas que faziam crítica ao projeto de cooperação. A carta foi entregue aos presidentes de Moçambique, Brasil e Primeiro-Ministro Japonês. No mesmo ano, teve destaque a realização da Conferência Triangular dos Povos, que reuniu organizações e movimentos sociais dos três países envolvidos no ProSavana, assim, internacionalizando a campanha. Desde então, ela têm sido referência no debate público, graças ao seu trabalho de acompanhamento, que visibiliza as demandas e as propostas dos camponeses afetados.

Os objetivos do "Não ao ProSavana" são: a) Que sejam tomadas todas as medidas necessárias para a suspensão imediata de todas as ações e projetos em curso nas savanas tropicais do Corredor do Desenvolvimento de Nacala no âmbito da implementação do Programa ProSavana; b) Que seja urgentemente estabelecido um mecanismo inclusivo e democrático de construção de um diálogo oficial amplo com todos os setores da sociedade moçambicana, particularmente camponeses e camponesas, povos do meio rural, comunidades do Corredor, organizações religiosas e da sociedade civil com o objetivo de definir as suas reais necessidades, aspirações e prioridades da matriz e da agenda de desenvolvimento soberano; c) Que seja fortalecida uma agenda propositiva da cooperação Sul-Sul brasileira a partir de outros modelos de desenvolvimento. Portanto, é necessário não apenas resistir, mas enfrentar a lógica extrativista defendendo alternativas que proponham benefícios diretos às populações locais, especialmente as mais marginalizadas.

Algumas estratégias de ação da campanha foram: a) Produção da "Carta Aberta para Deter e Reflectir de Forma Urgente o Programa ProSavana aos governos de Moçambique, Brasil e Japão", de 2013; b) Produção da "Carta Aberta ao Presidente da República de Moçambique" de 2015; c) Acompanhamento das reuniões de coordenação entre governo e sociedade civil para o estabelecimento de um mecanismo de diálogo.

Com o intuito de incidir nas definições do ProSavana, os integrantes da campanha trabalham intensamente através da troca de informações. Esta estratégia colabora com o monitoramento de outros casos e desdobra diferentes processos políticos internos. Com a ajuda das organizações japonesas, por exemplo, a seção brasileira da campanha foi informada sobre os investimentos do Japão na região de Matopiba (zona que compreende Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) direcionados à grande produção monocultora.

Na ótica da sociedade civil, o fortalecimento de laços entre os movimentos moçambicanos, brasileiros e japoneses são conquistas palpáveis. Além disso, outros dois resultados importantes da campanha são o fortalecimento dos marcos pelos direitos territoriais de comunidades tradicionais em Moçambique, Brasil e Japão e uma maior clareza sobre o modelo da política de cooperação e investimentos que permeia a relação Brasil e África.

Embora a criação de um mecanismo de diálogo seja um resultado concreto desta luta, ainda há muitas contradições vigentes. As reuniões de coordenação governo e sociedade civil deram uma legitimidade injusta ao ProSavana. Nesse meio tempo, a "Majol Consultoria e Serviços" empresa contratada pela JICA (Agência de Cooperação Japonesa) na facilitação do processo é acusada de irregularidades. Entre elas estão convite direto para as organizações que se mostraram favoráveis ao projeto e tentativa de agressão física a dois representantes da União Nacional dos Camponeses (organização integrante da campanha).

Trata-se de uma luta de resistência e crítica, exigindo participação social e transparência nas definições do projeto. Dessa forma, os camponeses (as) moçambicanos (as) poderiam apresentar suas demandas evitando que o desenvolvimento agrícola da região privilegiasse apenas grandes interesses corporativos, portanto, incluindo os anseios e propostas dos pequenos agricultores de Nacala.

 

Referências

Ação Acadêmica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) e seus parceiros lançam o documentário “ProSavana: Terra Usurpada, Vida Roubada”. O documentário reúne histórias e depoimentos que mostram como o Prosavana põe em risco o controle da terra e da produção agrícola das comunidades que vivem no corredor de Nacala, área de implementação do projeto.
Segue o link: http://obs.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=857:video-prosavana-terra-roubada-vida-usurpada&Itemid=130  

 

Na luta contra o projeto ProSavana, Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) apresenta vídeo com seu apoio aos agricultores e movimentos sociais moçambicanos.
Segue o link: http://obs.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=855:mpa-apoia-a-luta-contra-o-prosavana&Itemid=130   

 

"Este estudo integra o conjunto de ações desenvolvidas em parceria entre organizações e movimentos sociais de Moçambique e do Brasil, visando fortalecer em ambos os países as lutas por justiça, direitos, segurança, e soberania alimentar, e incidir sobre a cooperação e investimentos brasileiros em Moçambique que afetem estas lutas." Segue o link: http://obs.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=288:cooperacao-e-investimentos-do-brasil-na-africa-o-caso-do-prosavana-em-mocambique&Itemid=130

 

Esse artigo discute a cooperação sul sul por meio do exame do ProSavana, um programa modelo de desenvolvimento agrícola que visa aplicar a experiência brasileira em Moçambique. ProSavana é uma iniciativa conjunta do Japão, Brasil e Moçambique na região de savana do corredor de Nacala, em Moçambique. (…) Nós examinamos o uso que a representação visual tem na promoção e contestação do ProSavana, incluindo mapas da savana moçambicana produzidos por consultores do agronegócio brasileiro bem como um vídeo reivindicatório produzido por ativistas moçambicanos sobre o cerrado brasileiro. Percebendo que os documentos de planejamento mais atuais do ProSavana diferem significativamente daqueles produzidos no início do projeto, argumentamos que as mobilizações contra o ProSavana tiveram uma série de efeitos produtivos antes mesmo do programa ter atingido sua implementação total. Segue o link: http://obs.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=865:imagining-agricultural-development-in-south-south-cooperation-the-contestation-and-transformation-of-prosavana&Itemid=130

 

Chichava e Durán (2016) identificam que “o advento de investimentos massivos das potências emergentes do Sul global em Moçambique, particularmente Brasil e China, tem chamado atenção da sociedade civil local, a qual se tornou ativista na apuração dos impactos destes investimentos, especialmente os relacionados à agricultura e mineração, setores que tipicamente incluem remoções forçadas e reassentamento de populações locais.” (tradução nossa) Segue o link: http://www.lse.ac.uk/internationalRelations/centresandunits/globalsouth/documents/LSE-GSU-Working-Papers/working%20papers/LSE-Working-Paper-chichava-Duran.pdf