Por Mariella Di Ciommo, Analista Sênior, Development Initiatives
A principal meta da agenda pós-2015, o futuro marco de referência global para o desenvolvimento que deve ser acordado este ano, é erradicar a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares – dentro de uma visão ampla que inclui as dimensões sociais, econômicas e ambientais. Essa agenda ambiciosa requer contribuições de todos os atores do desenvolvimento. Entre eles, devem ter papel proeminente os doadores emergentes da cooperação para o desenvolvimento, fornecendo recursos, expertise e conhecimentos para alcançarmos aquela meta.
Dados melhores podem fortalecer os esforços de cooperação para o desenvolvimento dos doadores emergentes
O recente Elements paper redigido para o processo preparatório da Terceira Conferência Internacional sobre financiamento do Desenvolvimento apresenta um pacote de elementos orientadores para implementar a agenda pós-2015 e requer um aumento das contribuições dos doadores do Sul, baseado nos princípios da cooperação Sul-Sul. Este aumento deve ser apoiado por um sistema da ONU mais efetivo, capaz de ajudar a cooperação triangular e Sul-Sul. É importante notar que esse documento demanda “uma coleta sistemática de dados e evidências sobre a cooperação Sul-Sul”.
O valor agregado da cooperação para o desenvolvimento dos doadores emergentes ficaria mais claro com dados melhores. As estimativas desses fluxos cobrem um número limitado de países doadores e provavelmente estão subestimadas.[1] As tendências de crescimento ao longo do tempo se devem, em parte, a melhorias na disponibilidade e qualidade dos dados e não somente a aumentos das alocações, tornando difícil discernir uma trajetória clara.
O documento O Futuro da Cooperação para o Desenvolvimento da Development Initiatives examina as limitações dos dados e mostra que elas impedem uma análise mais completa e em tempo adequado. A maior parte dos dados são de difícil acesso, antigos ou são apresentados num formato que não facilita uma análise simples. As comparações entre países são difíceis, pois as definições nacionais de cooperação para o desenvolvimento são diferentes ou mesmo inexistentes.
Embora a cooperação para o desenvolvimento seja pequena em comparação com outros fluxos, ela está crescendo
Os dados disponíveis sugerem que a cooperação para o desenvolvimento dos doadores emergentes permanece pequena em comparação com outros fluxos internacionais públicos e privados. Em 2011, ela correspondeu a 10% da cooperação para o desenvolvimento oficial global (doadores que fazem parte do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento e também os que estão fora do CAD), a menos da metade dos recursos das instituições que financiam o desenvolvimento e a menos de um quinto do financiamento oficial mais amplo (outros fluxos oficiais). É também pequena se comparada com o investimento estrangeiro direto.
Estimativas atuais mostram que a cooperação para o desenvolvimento quadruplicou entre 2000 e 2011, enquanto a AOD (Ajuda Oficial ao Desenvolvimento) de membros do CAD somente duplicou. No período 2010-2011, a cooperação para o desenvolvimento de doadores emergentes aumentou 7,1% (US$1,1 bilhão), enquanto a AOD de países membros do CAD diminuiu 1,1% (porém depois cresceu 10% entre 2012 e 2013).
A cooperação para o desenvolvimento de fontes governamentais de países fora do CAD quadruplicou entre 2000 e 2011, em parte devido à melhoria dos dados
A cooperação para o desenvolvimento poderia agregar valor por meio de parcerias focadas na erradicação da pobreza
Não é possível fazer uma análise detalhada da destinação desses fluxos. Porém, os dados mostram que as alocações atuais da maioria dos doadores emergentes não são direcionadas pelas necessidades das pessoas que vivem em pobreza e parecem priorizar países vizinhos e regiões estratégicas. O Oriente Médio e a África receberam 75% dos fluxos totais em 2011, num montante de US$ 5 bilhões cada. Os maiores doadores, China e Arábia Saudita, impulsionaram essas alocações.
O potencial desses recursos adicionais para erradicar a pobreza deve ser analisado, especialmente para antever sinergias com outros recursos públicos e privados. Embora menor do que outros recursos, a AOD é o recurso público que pode ser voltado especificamente para as pessoas mais pobres e que poderia ser utilizado para atingir os 20% mais pobres em escala global. A cooperação triangular oferece oportunidades para agregar valor por meio de parcerias focalizadas na erradicação da pobreza entre a AOD e a cooperação para o desenvolvimento de países doadores emergentes.
Desembolso bruto em US$ bilhões, 2000–2011
Mais transparência pode ter um impacto positivo nos doadores e parceiros
Há numerosos desafios para aumentar a transparência, porém os ganhos potenciais são vastos. Entre esses ganhos estão um processo decisório, responsabilização (accountability), alocação e impacto melhores. Uma discussão inclusiva e com base em informações exatas pode ajudar a construir uma base de apoio nacional, capaz de contribuir de forma positiva para o diálogo sobre políticas públicas. Os governos nos países provedores teriam mais facilidade para coordenar esforços entre diferentes departamentos e com outros doadores. Os países parceiros teriam uma voz incisiva sobre que recursos receberiam e como seriam utilizados.
O Brasil é um provedor pequeno de cooperação para o desenvolvimento, mas alocações cresceram nos anos recentes
A cooperação brasileira para o desenvolvimento mais do que duplicou entre 2005 e 2010, alcançando US$1 bilhão em 2010. Porém, as contribuições do Brasil foram pequenas se comparadas ao tamanho de sua economia (menos de 0,1% da Renda Nacional Bruta em 2010). Embora comparações entre países sejam um grande desafio, as estimativas atuais mostram que esta contribuição é menor do que a da África do Sul, Turquia, China e Arábia Saudita, entre outros doadores ( investimentos para Erradicar a Pobreza: Capítulo 7 /perfil global e Capítulo 9 /perfis de países).
Apesar de uma parte da cooperação brasileira para o desenvolvimento atingir os países mais pobres, essas alocações são menores do que aquelas direcionadas a vizinhos latino-americanos relativamente menos pobres. O Haiti, um dos países mais pobres do mundo, é a grande exceção, recebendo a maior alocação do Brasil (32%).
A cooperação para o desenvolvimento do Brasil atinge mais os países vizinhos
A presidente Dilma Rousseff tem dado menos ênfase à política externa do que seu antecessor Lula e a economia brasileira perdeu dinamismo. No entanto, os efeitos disso sobre a cooperação brasileira para o desenvolvimento ainda não estão claros. A falta de informações e a fragilidade do debate nacional entre todas as partes interessadas são as principais razões para essa falta de clareza.
O brasil adotou medidas de transparência
O Brasil teve alguns avanços na questão da transparência. O IPEA, um instituto público de pesquisas, compilou dois relatórios sobre a cooperação brasileira para o desenvolvimento que, juntos, cobrem o período de 2005 a 2010. Estas publicações são bem-vindas, mas são insuficientes para as necessidades de informação existentes.
No entanto, os dados disponíveis não são fornecidos no tempo adequado e não possuem um detalhamento suficiente, além disso seu formato não permite um acesso fácil. A publicação inconsistente das informações é outra limitação. Um novo relatório, que complementaria os dois anteriores está sendo preparado, mas não se sabe quando será publicado.
A publicação de dados sobre a cooperação brasileira para o desenvolvimento num formato comum e aberto aumentaria o valor das informações para os usuários interessados. Uma opção a ser considerada seria publicar na IATI (Iniciativa Internacional para a Transparência da Ajuda), uma iniciativa voluntária envolvendo múltiplas partes interessadas e apoiada por um consórcio liderado pela ONU, que busca melhorar a transparência da cooperação para o desenvolvimento, com o objetivo de aumentar sua efetividade no combate à pobreza.
Melhores informações podem contribuir para uma cooperação para o desenvolvimento mais democrática
Uma maior transparência sobre a cooperação para o desenvolvimento estaria de acordo com os compromissos do Brasil com o governo aberto e com a legislação nacional sobre acesso à informação, incluindo o uso de padrões de dados abertos. Essas informações contribuiriam para um debate nacional melhor fundamentado e fortaleceria as bases de apoio nacionais entre acadêmicos, funcionários públicos, tomadores de decisão e sociedade civil comprometidas com a construção de um engajamento mais efetivo e democrático do Brasil com a cooperação para o desenvolvimento.
Contato: mariella.diciommo@devinit.org
Notas
Todos os dados são a preços constantes de 2011
DAC = Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)
IATI = Iniciativa Internacional de Transparência da Ajuda
IPEA = Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ODA = Ajuda Oficial ao Desenvolvimento
[Traduzido do inglês por Jones de Freitas]
[1]Os países incluídos são os seguintes: Brasil, Bulgária, China, Taiwan (Taipé Chinesa), Chipre, República Tcheca, Estônia, Hungria, Islândia, Índia, Israel, Kuweit (KFAED), Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Malta, Polônia, Romênia, Rússia, Arábia Saudita, Eslováquia, Eslovênia, África do Sul, Tailândia, Turquia e os Emirados Árabes Unidos. A República Tcheca, Islândia, Polônia, Eslováquia e Eslovênia entraram no CAD em 2011 e, desde então, suas contribuições são também contabilizadas.
Mariella Di Ciommo é mestre em ciências econômicas, estadisticas e sociais pela Universidade Bocconi de Milão e em antropologia social pela London School of Economics and Political Science (LSE); trabalha como Analista/Pesquisadora na Development Initiatives e lidera o trabalho sobre cooperação ao desenvolvimento dos países emergentes, sobre FINANCIAMENTO para nutrição, saúde e agricultura e sobre a cooperação ao desenvolvimento dos países doadores tradicionais, além da área de filantropia.