No Brasil, as deliberações sobre os imigrantes são prerrogativa do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), que atua com base em alguns marcos legais e normativos e entendimentos do governo, conforme compartilha nosso entrevistado Luiz Alberto Matos dos Santos, Coordenador do Conselho Nacional de Imigração.
Qual é o entendimento geral do governo brasileiro sobre a imigração de povos do Sul global para a permanência no Brasil?
A política deste governo é sempre de acolhimento, sem posição oficial de fechar fronteiras, mas preconizando que tal fluxo imigratório seja regular, documentado. Em razão desses novos fluxos migratórios, o Governo Federal vem sendo desafiado a desenvolver mecanismos para a recepção e acolhimento de imigrantes, seja no âmbito de coordenação institucional de atendimento do fenômeno, bem como rubricas orçamentárias próprias que possam custear despesas iniciais de deslocamento, alojamento e alimentação de imigrantes indocumentados. Por exemplo, não há, ainda, um protocolo de atendimento definindo as responsabilidades de cada esfera de poder (federal, estadual e municipal) impactada pelo referido fluxo imigratório, cuja resposta emergencial sempre foi dada via força tarefa, quando se reúnem vários ministérios que têm parcela de atuação com esse tema. A política do governo sempre foi de que se tenha uma migração regular e de forma documentada, mas nem sempre é assim que acontece.
Quais são as orientações e marcos legais gerais que norteiam essa decisão?
O marco legal central para migrações é a lei n.6815 de 1980, de caráter eminentemente intervencionista e que encara a migração sob a perspectiva da segurança pública e não dos direitos humanos, visão contemporânea. De lá para cá, não se conseguiu produzir um novo estatuto. Esse atraso encontrado entre os marcos legal existentes e a atual realidade tem sido contornado pelas resoluções normativas do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), Órgão colegiado tripartite, competente para a discussão e formulação da política imigratória brasileira.
De onde (país/região) vêm a maioria dos pedidos de visto permanente?
Migrantes vindos da Bolívia, Haiti, Paraguai, Peru, Senegal e Bangladesh tem se destacado. Há contudo um estudo com dados mais precisos no Relatório Parcial da Inserção dos Imigrantes no Mercado de Trabalho Brasileiro1.
O Brasil, entretanto, está com um percentual baixo de migrantes: 0,3% de imigrantes, sendo 46% mulheres e 24% de população abaixo dos 15 anos de idade (dados da OIM de 2013)2 sendo que uma média geral atualmente é preconiza pela Organização Internacional de Migrações (OIM) de 3%.
O fenômeno da imigração haitiana mereceu uma resolução específica do CNIg, você poderia comentar a esse respeito?
A Resolução Normativa (RN) n. 97, do CNIg, normatiza a concessão de vistos de trabalho emitidos pelo consulado brasileiro em Porto Príncipe, mas, infelizmente, essa não tem sido a principal porta de entrada de nacionais haitianos no Brasil que, muitas das vezes, chegaram na pela fronteira brasileira no Acre, de forma indocumentada, solicitando o reconhecimento de refúgio.
No entanto, a lei de refúgio (lei n.9474, de 1997) é extremamente objetiva e somente reconhece como refugiados o indivíduo vítima de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas ou em situação de grave e generalizada violação de direitos humanos. O fluxo de imigrantes indocumentados, principalmente os haitianos, como foi noticiado, chegou de forma inesperada e as diferentes instâncias de governo não estavam prontas para responder às demandas originadas destes novos fluxos migratórios. A referida Lei de Refúgio tem dispositivo que garante a recepção de todo e qualquer imigrante que se declare refugiado, razão pela qual são assim cadastrados pelo Departamento de Polícia Federal, cujos pedidos de refúgio são encaminhados ao Comitê Nacional de Refugiados (CONARE) agir, então, como admitir essas pessoas que chegavam na fronteira e se declaravam refugiadas era uma grande questão. A Polícia Federal recebia os pedidos e os emitia ao Comitê Nacional de Refugiados (CONARE) para eles esses pedidos fossem julgados; mas como eles não se enquadram nos critérios da lei 9474, não se sabia como fazer para admití-los no território brasileiro, já que se sabia que o fenômeno estava associado ao grande terremoto de 2010 que assolou o país.
Para esse caso do Haiti, o CONARE fez uma parceria com o CNIg para o denominado “Vitem 5” (visto de trabalho), mas ainda assim chegavam muito haitianos e o CNIg editou a Resolução Recomendada (RR) n. 08, recomendando que essas situações que o CONARE não considerassem como refugiados, fossem encaminhadas à aprovação no CNIg, já que se tratava de imigração. A partir daí, poderia se ter um critério mais humanitários para se analisar os pleitos.
Dessa forma, quando os haitianos chegassem de forma não documentada na fronteira brasileira e após identificada a falta de enquadramento como refugiados, o CONARE encaminha o processo ao CNIg, que avalia o caso segundo critérios humanitários – utilizando-se a Resolução Normativa n. 27 combinada com a Resolução Recomendada n. 08, concedendo-se a permanência do imigrante.
O refugiado goza de estatuto e convenções internacionais próprios, mas você poderia explicar o que faz uma pessoa ser considerada um refugiado e não um imigrante?
O migrante tem uma situação política delicada; até hoje a ONU não reconhece a migração pelos aspectos da sustentabilidade, que não é só em decorrência de emergências ambientais, mas também econômica (de emprego). O debate atual tenta mudar a visão de que migração é algo ruim para o fato o benefício que ela provoca para os dois países envolvidos – o país de origem recebe remessas financeiras e o país de destino conta com mão-de-obra efetiva para o Produto Interno Bruno (PIB). Isso é ainda mais notório no cenário de envelhecimento por que passam os países que junto com o desenvolvimento econômico e humano vivenciam a transição demográfica para populações cada vez menos jovens, o que diminui sua força de trabalho.
Até pouco tempo, não se via no Brasil a recusa de o brasileiro assumir determinados postos de trabalho; assim como havia também grande emigração em massa para os Estados Unidos e Europa, onde assumiam trabalhos que os povos daqueles países não queriam assumir. Atualmente, a situação se inverteu, abre-se muitas vagas de emprego, como em frigoríficos, e que não são preenchidas. Daí esses postos são ocupados por imigrantes, muitas vezes uma força de trabalho não tão qualificada e proveniente do Sul global.
Qual é a relação entre a atuação do CNIg e o CONARE?
Trata-se de uma parceria e de trabalhos complementares; competência que se tocam e não se chocam. Há servidores do MTE e conselheiros do CNIg, que são membros no CONARE.
No CONARE há uma equipe técnica que prepara os processos e os encaminha com recomendações à sessão plenária para votação; no caso do CNIg, os próprios conselheiros é que fazem o trabalho de analisar o processo e elaborar a recomendação para o plenário decidir. No caso do CONARE, utiliza-se também como metodologia a realização de entrevistas com as pessoas para saber dos motivos do pedido.
Quais são os atuais debates acerca dos “refugiados ambientais”? Não estariam os haitianos enquadrados nesta categoria?
O refugiado ambiental é um discurso que se evita no âmbito da ONU; é um tema ainda visto com restrições pelos países desenvolvidos e que são também os poluidores e que não querem ter de assumir o ônus trazido por essa massa de pessoas que migram em decorrência de catástrofes ambientais, como os haitianos.
Quais são os principais desafios que o CNIg ou o tema enfrenta hoje?
O grande desafio da ordem do dia é a proposição de uma nova lei de imigração, um novo marco regulatório que possa dar segurança jurídica aos migrantes sobre a ótica dos direitos humanos. Há um projeto de lei n. 5.655 no Congresso Nacional, que nem foi aprovado e já envelheceu.
Atualmente, discute-se um novo anteprojeto de lei, uma nova proposta com nova roupagem e que está sendo discutido no âmbito do CNIg e logo será encaminhado para a Casa Civil e, posteriormente, ao Congresso Nacional.
Notas
1. Disponível em http://portal.mte.gov.br/obmigra/imigracao/ Acesso em dezembro de 2014
2. Disponível em https://www.iom.int/cms/en/sites/iom/home/where-we-work/americas/south-america/brazil.html Acesso em dezembro de 2014.