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O debate sobre a agenda da eficácia da ajuda e as contribuições para a Cooperação Sul-Sul

Data de inserção: 08/12/2014

 

De Tadeu Morato Maciel*

 

Nos últimos anos surgiram diversos fatores que possibilitaram a reativação da Cooperação Sul-Sul (CSS) como ferramenta estratégica. Contudo, este cenário favorável começa a dar sinais claros de desgaste para alguns países extremamente ativos na aplicação da CSS. Desta forma, renova-se a urgência em refletir sobre os limites e desafios da CSS. Qual será o futuro da CSS? O que os países do Sul deveriam fazer para fortalecê-la? Diante destes questionamentos, torna-se essencial a análise sobre a relação entre eficácia da ajuda e a CSS, tendo em vista a necessidade de pensar essa modalidade de cooperação para além de ações específicas e fragmentadas, como uma política de longo prazo.

Um dos pontos iniciais sobre as discussões mais recentes da agenda relacionada à eficácia da cooperação para o desenvolvimento encontra-se na Conferência de Monterrey (2002), a qual refletiu sobre experiências favoráveis à eficácia da ajuda e mencionou a CSS como ferramenta para a operacionalização da assistência ao desenvolvimento. No ano seguinte, em 2003, houve o I Foro de Alto Nível (FAN), o qual resultou na Declaração de Roma, por meio da qual se pretendia aumentar a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, contribuir para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e refletir sobre a variedade de requisitos e procedimentos com os quais os receptores da ajuda precisam lidar. Em 2005 foi realizada a II FAN, resultando na Declaração de Paris, considerada um pilar central do discurso e da metodologia sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento. Apesar de constar nos foros preparatórios para a II FAN, o papel da CSS na melhoria da eficácia da ajuda não esteve presente na Declaração de Paris.

O III FAN traz uma grande novidade para o debate da eficácia da ajuda, ao reconhecer, no Programa de Ação de Accra (PAA), o papel dos Países de Renda Média (PRM) como promotores de assistência ao desenvolvimento e ressaltar as particularidades da CSS. O PAA destaca a necessidade de reconhecer alguns princípios essenciais da CSS e como essa prática pode ser um complemento para a Cooperação Norte-Sul (CNS). Uma análise que corrobora este posicionamento pode ser encontrada no Relatório de Desenvolvimento Humano “A Ascensão do Sul: Progresso Humano num Mundo Diversificado”, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2013. Como resultado dessa percepção sobre a essencialidade da contribuição dos países do Sul na governança global, aumentou a pressão internacional para que os PRM apresentassem evidências empíricas sobre a eficiência da cooperação que desenvolviam, como pôde ser notado na Equipe de Tarefa sobre CSS (TT-CSS). Também no âmbito das Nações Unidas houve o entendimento sobre a escassez de avaliações consistentes sobre a eficácia da CSS, o que instigou a inserção do tema na agenda do G-20 e no Consenso de Desenvolvimento de Seul. Havia grandes expectativas em relação ao IV FAN (Busan), o qual propôs a implementação de princípios comuns para a questão da eficácia da ajuda, destacando, porém, as particularidades que marcam a CSS. Para operacionalizar esta proposta criou-se um Grupo Interino Pós-Busan e nove espaços de debate (Building Blocks) sobre temáticas centrais que constavam no documento final, como a transparência, a fragmentação da ajuda, os Estados Frágeis, o papel do setor privado, as mudanças climáticas, a CSS e a cooperação triangular.

Diante das dificuldades sobre a relação entre CSS e a agenda da eficácia, ganhou força a ideia de ampliar este debate nas plataformas regionais. Contudo, ao se pensar a América Latina, por exemplo, a partir da análise de Bruno Ayllón (2013) é possível ressaltar alguns fatores que provocam a falta de consenso dos países da região sobre a agenda da eficácia da ajuda, tais como a dependência em relação à ajuda ao desenvolvimento, as orientações de sua política externa, a percepção de interferência em relação aos doadores e seu papel como ofertante de CSS. Alguns desses países reclamam que a DP não foi elaborada num foro mais universal (como o ECOSOC), muito menos a partir de discussões com os países em desenvolvimento. Além disso, a discussão de eficiência proposta pelo CAD/OCDE não levaria em consideração questões como protecionismo ou investimentos internacionais, as quais são práticas recorrentes de diversos doadores. Desta forma, é difícil afirmar que a Declaração de Paris seja uma referência para algum tipo de coordenação da CSS, especialmente para os países que não dependem tanto da AOD. Contudo, também a partir de Ayllón (2013) é possível destacar que as críticas de diversos países latino-americanos à DP não pode servir como pretexto para evitar melhorias essenciais na cooperação oferecida. Sanahuja e Santander alertam, por exemplo, que frente ao caráter “autolegitimador” que permeia os discursos da Cooperação Sul-Sul, não se pode desvincular estas ações das agendas e interesses políticos que orientam a política exterior desses “novos doadores” (SANAHUJA, 2009, 2011; SANTANDER, 2012, 2011c apud MILLÁN; SANTANDER, 2013, p. 140). Desta forma, se dedicar a uma agenda alternativa não significa abrir mão das particularidades da CSS.

Em relação a outras críticas que permeiam o debate sobre a agenda de eficácia da ajuda, é possível ressaltar, por exemplo, a possível assimetria na discussão das obrigações dos doadores e das exigências e deveres que se dirigem aos países em desenvolvimento. Como afirma Raquel Freitas (2011, p. 52), a “participação nos processos não implica influência efectiva na decisão final, e a ajuda ao desenvolvimento sofre ainda de um predomínio dos interesses dos doadores, que têm em muitos casos uma capacidade muito forte de determinar as decisões tomadas”. Outra questão de extrema relevância é a participação da sociedade civil neste processo. Embora o encontro de Paris tenha reconhecido a importância das organizações da sociedade civil como contribuidoras no processo de elaboração, implementação e monitoramento de projetos de cooperação para o desenvolvimento, “as suas preocupações não estão ainda suficientemente integradas nos documentos oficiais, nomeadamente no que diz respeito à abordagem do desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos e à introdução de uma agenda de apropriação democrática” (OLIVEIRA, PROENÇA, 2011, p. 67).

Diante deste cenário, torna-se essencial a compreensão dos desafios relacionados ao debate da eficácia da ajuda para a cooperação voltada ao desenvolvimento e a relação dessas discussões com a CSS. A agenda de eficácia poderá render bons frutos quando avançar nos debates sobre suas limitações e quando estiver acompanhada de capacidades institucionais desenvolvidas, mandatos políticos claros, marcos legais definidos, entre outros.  

 

Referências Bibliográficas:

Bruno Ayllón - O debate sobre a eficácia da ajuda: reflexões sobre sua aplicação à cooperação Sul–Sul no caso latinoamericano

Raquel Freitas - Quem define as políticas de desenvolvimento? Poder e influência na Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento

Natalia Millán Acevedo e Guillermo Campos Santander - Coerência de políticas para o desenvolvimento e a cooperação sul-sul: reflexões para uma convergência

Ana Filipa Oliveira e Fátima Proença - Qualidade da Cooperação e do Desenvolvimento: Um desafio também às Organizações da Sociedade Civil

 

*Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC. Professor do curso de graduação em Relações Internacionais na Faculdade Santa Marcelina (FASM) e pesquisador do Grupo de Análise e Prevenção de Conflitos (GAPCON-UCAM). Graduado em Relações Internacionais pela FASM e mestre em Ciências Sociais (Relações Internacionais) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui extensão universitária em Cooperação Internacional ao Desenvolvimento pelo NUPRI-USP e em Cooperação Sul-Sul e Triangular na América Latina pela Universidade Complutense de Madri.