Por Daniel Martins
Há quatro dias atrás, o vice-presidente Michel Temer foi oficialmente notificado do afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Desde então pouco se sabe sobre as linhas que orientarão concretamente a política do governo interino. No campo da política externa brasileira (PEB) pairam dúvidas sobre o impacto da mudança de ministros. Entre continuidades e rupturas, esta área das políticas públicas tem estado crescentemente em disputa na sociedade e no debate público. Isso se refletiu tanto nas críticas que a oposição fez sobre a política externa "ativa e altiva", característica dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, quanto no acirrado debate eleitoral de 2014. Se antes estratégias e temas da agenda eram consensuais na PEB, hoje, atores não estatais (empresariado, organizações da sociedade civil, academia etc.) possuem olhares e propostas distintas no jogo democrático. Dessa forma, é provável que grupos de interesse e analistas estejam ainda mais atentos e propositivos perante os novos passos do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e da Presidência da República - os principais pólos de formulação da ação externa brasileira.
Quais são as mudanças institucionais anunciadas?
Originalmente Temer previa a extinção do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Haveria repasse de alguns órgãos para o Itamaraty e todo o resto para a pasta do Planejamento. A proposta sofreu reinvidicações da FIESP, parceiros do processo de impedimento. Assim, o MDIC não será repartido, e desde o dia 12/04 é comandado por Marcos Pereira (PRB).
A Secretaria de Comércio Exterior (Secex),que possui um departamento encarregado para as negociações de comércio internacional permanecerá funcionando no MDIC. A Agência Brasileira de Exportações (APEX) também pertencente à estrutura do MDIC, e financiada pelo sistema S (Senai, Sesi, Sebrae), fará parte do Ministério das Relações Exteriores. Contudo, terá função ampliada, para além da promoção comercial. Fontes indicam que seu quadro técnico não será substituído por diplomatas de carreira.
A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) antes presidida pelo ministro do MDIC e composta por mais 6 ministros, será vinculada e terá a direção da Presidência da República. Além disso, contará com uma secretaria-executiva, atualmente em disputa pelo MDIC e o Itamaraty. Ainda não há notícias sobre a composição do Conselho Consultivo do Setor Privado (CONEX), onde há algum espaço para representação de interesses.
Outro elemento que parece caracterizar a nova arquitetura institucional do governo interino é a maior centralidade do Itamaraty. O que parece ter agradado parte dos diplomatas de carreira. Assessoria internacional da Presidência, especialistas de outros órgãos do Executivo, conselheiros de partidos políticos e sociedade civil perderão peso decisório. Um aspecto importante do processo é o relacionamento entre Temer e Serra, mencionado por Matias Spektor, em recente artigo. Para ele, a dinâmica entre MRE e Planalto (seja mais competitiva ou harmoniosa) determinará os rumos da diplomacia brasileira.
Ainda sobre a estrutura decisória, também houveram comentários acerca da estrutura organizacional do Executivo para lidar com comércio exterior e atração de investimentos. Para ser aperfeiçoada, uma das recomendações foi a constituição de uma estratégia mais articulada com o setor privado.
Quais são as novas ênfases para a orientação da PEB?
No discurso de posse Michel Temer se mostrou favorável em pontos como: a revisão do pacto federativo, o modelo das iniciativas publico-privadas, a criação de um ambiente de negócios mais favorável ao setor privado e a restauração do equilibrio das contas públicas. O presidente provisório defendeu a ideia de uma "democracia da eficiência", afirmando que este seria um novo patamar da sociedade brasileira, depois do desfrute dos "direitos liberais" seguido pelos "direitos sociais". Tal trajetória colocaria a classe média num novo grau de exigência. Para Temer, "a recuperação do prestígio do País e da confiança em seu futuro serão tarefas iniciais e decisivas para o fortalecimento da inserção internacional da nossa economia."
Embora não tivesse mencionado enfaticamente no discurso, em outras ocasiões, Michel Temer disse que a política comercial externa seria um campo de ação estratégico em seu governo. Isso porque, o foco do governo será expansão dos investimentos, privatizações e exportações. Para agilizar o comércio externo, o discurso indica um realinhamento geopolítico.
A fórmula de Temer é recuar na política Sul-Sul e priorizar relações com os países desenvolvidos do hemisfério norte e com os países emergentes da Bacia do Pacífico, com ênfase nas negociações comerciais. Fontes do Itamaraty prevêm o possível fechamento de alguns postos diplomáticos em países africanos. Enquanto isso, alguns analistas falam do isolamento brasileiro na rede de acordos preferenciais de comércio e a necessidade de direcionar esforços para inserção nos "mega-acordos regionais", através da Parceria Transpacífica (PTP) e do Acordo UE-Mercosul.
Quanto ao atual ministro das relações exteriores, o senador José Serra (PSDB), é conhecido por discursos excessivamente desfavoráveis à proposta do Mercosul. Serra entende que a união alfandegária paralisou a política comercial brasileira porque obriga o país a levar países-membros do bloco nas mesas de negociação. Para Tullo Vigevani, o pesado impacto do curto prazo não será suficiente para eliminar as linhas tradicionais da política externa brasileira. Por isso, o interesse pela região sul-americana não deverá sair da agenda. Além disso comentou que é provável uma melhoria do relacionamento bilateral com os Estados Unidos. No entanto, ressaltou que inflexões radicais são improváveis na política externa.
Outros analistas concordam com esta perspectiva. Oliver Stuenkel encara que Serra não deixará de manter o olhar para a China e países africanos, haja visto a importância destes atores para a inserção do Brasil frente à conjuntura internacional contemporânea.
O que foi feito nos últimos dias?
Poucos dias depois do início do governo provisório, o Ministério das Relações Exteriores emitiu duas notas de posicionamento à imprensa. Normalmente, o tom dos comunicados no site do MRE tenderia para uma linha de menos assertividade. A primeira nota rejeita “enfaticamente as manifestações dos governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, assim como da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Comércio dos Povos (ALBA/TCP)” com relação ao processo político interno. Também por posicionamentos a respeito da conjuntura política brasileira, Ernesto Samper, secretário-geral da UNASUL, e o governo de El Salvador foram alvos de notas de repúdio.