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Especialista sul-africano em Cooperação Internacional para o Desenvolvimento avalia a postura do governo e setor privado brasileiros em Moçambique

Data de inserção: 22/08/2014

 

O pesquisador sul-africano Neissan Besharati, especialista em Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID), veio ao Brasil em agosto e concedeu uma breve entrevista ao Observatório Brasil e o Sul. Besharati possui Ph.D. em Políticas públicas e Gestão do Desenvolvimento pela Universidade de Witwatersrand e é pesquisador associado ao Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA). Suas pesquisas mais recentes versam sobre o impacto da exploração de carvão na província de Tete, em Moçambique, por empresas multinacionais, entre elas, a brasileira Vale S.A..

 

Arranjos Sul-Sul como o IBAS e o BRICS podem influenciar a Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento? Quais são os impactos possíveis no plano da governança internacional nos próximos anos?

Acho que o IBAS é um exemplo de cooperação Sul-Sul e o BRICS, não. A Rússia não é um país do Sul - um detalhe que tem que estar claro - e o BRICS não é, por definição, um grupo Sul-Sul, mas uma aliança contrária à hegemonia ocidental. O IBAS é composto por três grandes países emergentes de três continentes do Sul. Possuem valores democráticos, difíceis de promover em um grupo em que a China faz parte. Infelizmente, o IBAS está morrendo, não está na mídia nem no discurso público. Seria uma plataforma melhor para a cooperação Sul-Sul, que tem que ser revivida. 

 

A cooperação brasileira na África traz algo qualitativamente diferente? Possui características distintas?

Diplomatas brasileiros gostam de dizer isso, mas na prática não há muitas diferenças. O que eu pude ver é que para um moçambicano não há muitas diferenças. Cooperantes do Sul dizem que sua atuação é distinta, mas seu comportamento no campo é o mesmo. Na verdade, trabalham menos com governos africanos, são menos transparentes e não seguem as mesmas regras que os cooperantes tradicionais do Norte.

Os moçambicanos têm muita dificuldade de fazer com que os doadores emergentes sigam as normas que criam para a cooperação. Dizem que os países do DAC seguem melhor as regras que o governo moçambicano coloca. Os países emergentes não querem fazer parte do mesmo sistema [DAC] por motivos políticos.

Mas há coisas positivas. O Brasil não é um país rico, possui muitos problemas e está envolvido em outras parte do mundo que precisam de ajuda. São compartilhadas experiências brasileiras nas áreas de saúde, agricultura... Além dos vizinhos latinos, o Brasil investe na África, principalmente em países lusófonos. A falta de uma relação colonial histórica e o idioma em comum facilitam o trabalho com cooperantes brasileiros. Além disso, o Brasil está mais próximo em termos de pobreza [do que em relação a cooperantes do Norte]. Também existe a ligação étnica, devido à escravidão.

Infelizmente, há poucos negros brasileiros envolvidos na cooperação internacional. Gostaria que houvesse mais, porque acho que os brasileiros descendentes de africanos seriam muito mais eficazes na cooperação com a África. As pessoas envolvidas na cooperação internacional brasileira são ainda um grupo elitizado, de descendência europeia, de maior renda e educação. A desigualdade é percebida também neste campo. Por isso, questiono a cooperação brasileira: se o Brasil quer praticar verdadeiramente a cooperação Sul-Sul, terá que compartilhar mais a experiência da população indígena do Brasil.

 

Como você avalia o impacto das relações de comércio e investimento entre Brasil e a África, mais especificamente com África do Sul e Moçambique?

Posso falar apenas de minha experiência em Moçambique. Lá, claramente, há investimentos do governo brasileiro, que são muito grandes, e de empresas brasileiras também. O comércio e os investimentos são geralmente bons, pois criam empregos e desenvolvem capacidades materiais. Mas, como todo negócio privado, estas relações têm que ser justas e favorecer os mais marginalizados. Não podem tornar-se uma exploração neocolonial. As pessoas criticam empresas do Norte por comportarem-se assim, mas as empresas brasileiras têm que tomar cuidado para não fazerem o mesmo. Claramente, uma empresa tem que ser lucrativa para seus proprietários, mas também deve fazer negócios justos com outros países. Em Moçambique, têm que beneficiar mais moçambicanos, empregá-los, capacitá-los e fazer mais parcerias com empresas locais. Também podem contribuir para a construção da infraestrutura publica e ajudar a financiar projetos sociais.

No final das contas, um país mais desenvolvido é favorável aos negócios. Bons níveis de educação, saúde e capacitação profissional são de interesse da empresas, que irão contar com mais clientes, empregados, e parceiros. Isso vale tanto dentro como fora do Brasil.

 

A atuação da Vale na exploração de carvão na província de Tete em Moçambique afetou negativamente a imagem de outros atores brasileiros no país e na região?

Afetou muito. As coisas que aconteceram no Tete com a Vale foram muito divulgadas, o que influenciou negativamente também a imagem do Brasil, como se estivesse agora se comportando como multinacionais americanas ou inglesas, que fazem mal ao meio ambiente e à sociedade local.1 A Vale se comportou do mesmo jeito e os moçambicanos começaram a ver que as empresas brasileiras não são diferentes de outras. Acho que isso não foi proposital, mas a Vale não se importou muito com o relacionamento com o governo e a população local. Espero que aprendam com esta lição e façam melhor no futuro. Aqui no Brasil ocorre o mesmo, não?

 

Que tipo de parceria entre Brasil e África do Sul você gostaria de ver nos próximos anos?

Existem muitas semelhanças entre os dois países, coisas boas e ruins. Ambos podem trabalhar juntos quanto a problemas que compartilham, como a desigualdade e a pobreza extrema. Podem compartilhar experiências de programas de bolsas sociais que os dois países possuem, por exemplo.

Também podem ser exemplos em suas respectivas regiões. Ambos são democracias e têm um histórico de lutas de direitos humanos. Assim, têm de ser líderes, defender esses valores na política internacional de forma mais forte e aberta. Não podem cair na retórica da irmandade sulista, do G-77. Agora esses países têm a responsabilidade de lutar contra a opressão e a injustiça em outras partes do mundo. Devem deixar de lado razões políticas por ideais mais altos, que estão nas constituições brasileira e sul-africana. A política externa deve se basear em princípios.

 

1. A Vale foi alvo de protestos em Moçambique devido a problemas associados ao deslocamento da população que habitava áreas agora destinadas à mineração. Veja mais em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/04/1266520-megaprojeto-da-vale-e-alvo-de-protestos-em-mocambique.shtml e http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/506152-vale-novos-conflitos-em-mocambique-entrevista-especial-com-jeremias-filipe-vunjanhe-